Chuvas de Verão

segunda-feira, janeiro 20, 2020



Você se lembra quando foi nosso primeiro beijo? Eu também não. 
Na verdade não lembro quem deu o primeiro passo, quem bateu primeiro nos dentes, quem deu um passo para trás para por fim.
Não lembro se sorrimos depois do beijo ou se só ficamos sem graças, vermelhos e tímidos.

Eu lembro do dia exato que te disse adeus pela primeira vez e da dor que te assisti sentir, sem poder dizer que meu coração também doía dentro da prisão que me matava, eu só queria te salvar. 
Já dizia o poeta que quem salva quer salvação. 


Do nosso segundo beijo eu me lembro muito bem. Foi no sofá da minha casa, o antigo, o novo você nunca chegou a conhecer. Diziam por aí que era o fim do mundo, mas eu não conseguia entender como se tudo parecia o início com você.
E depois a culpa, a dor. A certeza de jamais poder ser sua pelo mal que me consumia dia após dia, que me rasgava em pedaços, que me roubava de mim.

E depois você se foi, voou para longe e eu já não sabia o que fazer. Não sabia como sobreviver. 
E por fim você voltou, com o mesmo sorriso torto de sempre, sua risada calma, suas indagações ácidas, seu olhar desfiador que me faz rir até hoje ao recordar. Bebemos uma cerveja, mas eu não bebia cervejas naquela época. 
Ali eu percebi como você havia me feito falta.


Ardemos outra vez um pelo outro, mas como é próprio de brasa forte em lenha verde, apagou-se antes que esquentasse. 
Nosso combustível era a presença e a cada reencontro não havia como esconder o que queimava vivo em nossos olhos. Braços, mãos, olhos... já não era possível ficar distante. 
E você cada vez mais triste e eu cada vez mais infeliz. 

E então o fim. 
Dessa vez foi você quem disse adeus e partiu, sem levar as lembranças que me assombram nas chuvas de verão que nos impediam de sair para caminhar. Que me devastam a qualquer hora do dia, quando lembro de nossas piadas secretas que só tinham graça para nós dois.
E cinco, quase seis, anos depois a sua ausência ainda é a presença mais difícil de lidar. Dói minha alma e cada parte do meu corpo saber que construímos um muro no lugar da ponte que nos ligava. 

Será que você ainda lembra dessas coisas? Quando chove no verão, você se recorda da gente reclamando do tempo porque nos impedia de encontrar?
Talvez você se recorde do dia que minha mãe brigou comigo porque estávamos de mãos dadas na pracinha ou da vez combinamos ir no karaokê brega da avenida, só porque todos os dias tinha movimento. 

Sempre me perguntei quem você havia se tornado, se estava feliz, se ainda era a mesma pessoa que conheci. Desde meu último texto, você continuou intacto em meu coração, mas agora não somos mais dois estranhos.
E a minha tristeza dessas chuvas de verão é que mesmo depois que elas param, você não vem mais. 

You Might Also Like

0 comentários

Popular Posts

PINTEREST